CRÔNICA PARA UMA JOVEM SÓ.
Uma das pessoas mais humanas que eu conheci, É uma jovem de
18 anos; morena cheirando a pecado, com um rosto lindo no qual havia duas luzes
maldosas e puras. Seus lábios foram feitos para serem beijados e calados. Seu
corpo pertence à àquele tipo de corpo que possuem um gingado maluco e que nunca
estão quietos, sempre girando, girando, em eterno movimento. Ela é tão humana
que consegue humanizar o “amor máquina”. Ela vive o mundo em cada célula do seu
corpo e se recolhe em si, tomando uma atitude de defesa. Ela ataca se entregando
e se defende recusando. Está constantemente em luta contra seu próprio eu. Seu
nome “Elaine Cristina”.
Sempre em dúvidas perguntava: “o que é que eu faço da minha
vida?”, eu lhe respondia: “faça o que achar certo”, sorria quando seus olhos
eram sombras e perguntava: “o que é certo?”. O certo e que eu não sabia
responder. Dizia-me que um dia seria livre, mas não sabia o que é ser livre.
Reclamava por não ir aos clubes, quando ia ficava triste. Seus olhos,
verdadeiros termostatos, indicavam todos os seus sentimentos, todos os seus
estados da alma. Constantemente inquieta, constantemente indecisa, hora alegre,
hora triste; sempre humana.
À medida que se revoltava contra si, seus cabelos
revoltavam-se contra o vento. Dentre seus defeitos tinha um imperdoável, ser
humana. Em um tempo tão desumano, ser humano e um absurdo, uma monstruosidade da
natureza, um outro absurdo, a natureza. Gostava de se isolar quando triste,
vivia ausente das coisas, fugia da solidão isolando-se em si. Dizia não saber o
que é amar, mas amava a si e a todos.
Em um tempo em que nossa
juventude pensa apenas na alienação cultural, social e humana; a existência de
uma jovem que corresponde à descrição exposta, é uma exceção maravilhosa. As
dúvidas, as fugas são retratos de uma conscientização frente aos problemas
existenciais de cada dia. O isolamento retrata a necessidade de compreensão, a
necessidade de mudar, criar, existir. Um dia mudanças ocorrerão. A dúvida, a
fuga, o isolamento, se tornarão plenitude, e a plenitude nos libertará.
Liberdade não se acha, luta-se por ela.
Maceió, janeiro de 1972
Jorge da Silva Leite.
Essa crônica foi escrita em 1972. Eu com meus 21 anos, ela com 17. Éramos
jovens sonhadores, inquietas, cheios de dúvidas, cheios de alegria. Seguimos
estradas diferentes, mas continuamos unidos pelas lembranças dos momentos
vivenciados juntos. Papel amarelado pelo tempo, encontrado no fundo do baú de
minhas lembranças; demonstra que toda experiência é válida, que todo momento e
guardado, jamais esquecido. Que tudo é sagrado.
Recife, 28 de dezembro de 2017.
Jorge Leite